A
terrível escalada da ‘semana santa’.
Eduardo Hoornaert.
Escrevo
estas notas na véspera de sexta-feira santa. O que piedosamente chamamos
‘semana santa’ é, quando lemos os evangelhos, na realidade uma terrível
escalada de acontecimentos que envolvem Jesus, a partir da ‘entrada triunfal’
em Jerusalém. O evangelho de Marcos conta a história num ritmo nervoso, a
partir do capítulo 11. Anota o que acontece dia após dia. Já antes, Jesus não é
uma figura desconhecida nos ambientes governamentais. Não faltam acusações que chegam
aos ouvidos das autoridades: ele não segue a lei de Moisés, não considera os
‘filhos de Abraão’,pois diz que se pode fazer um ‘povo eleito’ com ‘pedras’,
discute sobre temas que são da alçada das autoridades e tem a incrível ousadia
de insinuar que os sumos sacerdotes têm de devolver as terras que usurparam.
Eis o caso: diante da
pergunta insidiosa sobre pagamento de impostos (Mc 12, 13-14), Jesus responde primeiramente
que é preciso ‘devolver (o verbo é esse) a César o que é de César’ (ou seja,
devolver o denárioa César: não contém sua imagem?). Mas depois ele ataca, embora
de forma velada, a suprema autoridade religiosa da Palestina: ‘devolvam a Deus
o que é de Deus’. Ora, o que é de Deus? O livro Levítico responde: ‘a terra é
de Deus’ (Lv. 25, 33). Acontece que os sumos sacerdotes possuem as melhores
terras da Palestina. Eis uma insinuação pesada, e as autoridades compreendem
que se trata. Elas se convencem de que estão diante de uma pessoa ‘perigosa’.
Mas
o maior medo, em Jerusalém, provém do enorme sucesso de Jesus junto ao povo da
Galileia. Esse povo,
sempre explorado pelo governo de Jerusalém (por meio dos impostos), bem que pode
um dia se voltar, ‘em nome de Jesus’, contra os que detêm o poder. Não é um medo
infundado, pois o sucesso de Jesus na Galileia é incontestável. Marcos relata
em numerosos trechos do evangelho e com abundância de detalhes que, por onde Jesus
passa, aglomerações se formam. Os líderes em Jerusalém já mandaram diversos emissários
para a Galileia para ver o que se passava, mas não conseguem reunir argumentos
definitivos contra Jesus. Quando este está em Jerusalém por ocasião das festas
de Páscoa, e depois que faz sua ‘entrada’ em Jerusalém (que é na realidade uma
paródia, pois imita entradas triunfais de tropas romanas), o governo percebe
que está diante de uma oportunidade única de prendê-lo. Assim se iniciauma
terrível escalada de acontecimentos,que termina com a morte de Jesus. A partir
do capítulo 11, um ritmo acelerado toma conta da prosa de Marcos, que anota
tudo. No dia após a ‘entrada triunfal’, Jesus volta ao templo (ele não dorme na
cidade, mas se hospeda em Betânia) e,com ímpeto, expulsaos cambistas. Uma ação
de grande ousadia que repercute fortemente nos meios governamentais. A partir
desse momento, as coisas não param mais. No terceiro dia acontece mais uma
discussão tensa com letrados e fariseus (comento sucessivamente Mc 11, 1-11; 11,
15-19 e11, 27-33) e assim os atritos vão se sucedendo, dia após dia.Jesus sabe que corre perigoiminente. No início das festividades da
páscoa, depois de rezar o salmo com seus apóstolos, ele resolve ir se esconder
com eles no Monte das oliveiras (Mc 14, 26). O evangelho de Lucas conta até que
alguns dos apóstolos vão armados. Mas não adianta: as forças de
segurança, guiados por Judas, descobrem o esconderijo. Jesus é preso como um ‘bandido’
(como afirmam os três evangelhos sinóticos: Mc 14, 48; Mt 26, 65 eLc 22, 52). O
julgamento é sumário e Jesus acaba morrendo em cima de uma cruz, entre
‘bandidos’(Mc 15, 27; Mt 27, 38; Lc 23, 33).